O trabalho de Adriano
Correia é hermeneuticamente impecável, rigoroso sem ser pedante, erudito sem
perda de inspiração e vivacidade, literariamente elegante e fiel ao espírito
crítico tanto de Arendt quanto dos demais filósofos que, com raro talento e
competência, o autor agencia neste livro.
O livro inova, em relação
às pesquisas anteriores de Adriano Correia, como, aliás, não poderia deixar de
ser, tendo em vista a inquietação constante e a produtividade de sua atuação no
campo da filosofia. Conserva, no entanto, o essencial de seu concernimento em
relação à obra arendtiana, chamando a atenção para sua atualidade e relevância
no atual contexto de espetacularização da política e banalização da vida. Na
era da extensão planetária da fabricação, perdemos em ritmo acelerado a
capacidade de estar junto dos outros, o discurso transforma-se assustadoramente
naquela tagarelice que Heidegger denominou de ‘Gerede’, nutrida pela
propaganda, e que nada tem a ver com o que Habermas entende por racionalidade
discursiva. Portanto, a filosofia de Arendt tornou-se, para nós, atmosfera
vital, com sua exigência de compreender, sua ‘paciência do conceito’ e seu
cuidado kantiano da vontade, indispensáveis para a sobrevivência do pensar e da
condição verdadeiramente humana de ser-no-mundo e de ocupar o espaço público.
Quando o animal laborans domina toda
esfera da biopolítica, as pessoas
são coagidas a ser apenas ‘pró’ ou ‘contra’ as outras, obedecendo, sem
reflexão, as agendas que preformatam um arremedo de pensamento, capturadas na
armadilha fatal do amigo/inimigo, imersas na violência cega dos meios e
completamente insensíveis à dignidade da política.
Decididamente moderna,
Hannah Arendt buscou pensar sua própria época com entusiasmo e crítica. Entusiasmou-se
com o espírito revolucionário, a reavivar as expectativas de dignificação da
vida política, e criticou as compreensões do espaço político que fragilizaram a
política ante a dominação totalitária, notadamente aquelas que confundem ou
submetem a política à economia. No estabelecimento de diálogos da obra
arendtiana com a de autores como Michel Foucault, Giorgio Agamben e Jürgen
Habermas, neste livro são examinados aspectos vários da relação entre economia
e política na modernidade, principalmente aqueles que de modo mais evidente minam
a dignidade da política.
Seguramente, considerando
que são temas clássicos da obra arendtiana o totalitarismo e a prevalência
moderna do econômico, a crítica salta mais à vista que o entusiasmo. Também por
isto neste livro – além de examinar a relação entre o público e o privado, o
conceito de poder, o liberalismo e a subjugação da política à economia, a
vitória do animal laborans, a
sociedade dos consumidores, a esfera social e o problema da justiça – é central
a reflexão sobre o entusiasmo de Hannah Arendt com as revoluções e os sistemas
de conselhos.
Arendt cultivava uma fenomenologia genealógica na
qual eram decisivos os eventos históricos e as experiências deles decorrentes,
mas também as configurações dos modos de vida – nas tensões, inversões e
transfigurações entre seus diferentes âmbitos e forças. Importava a ela traçar
a genealogia dessas transfigurações e das forças que as presidiram, ainda no
escopo da busca por compreender o que estamos fazendo, que subjaz à elaboração
deste livro. Ao focar a relação entre economia e política na interpretação
arendtiana da modernidade aspira-se evidenciar que há mais a temer que o
totalitarismo, pois as cadeias da necessidade podem ser feitas de seda.
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